Laranja Mecânica

                     


Reflexões sobre "Laranja Mecânica" e sua Perturbadora Genialidade

Ainda guardo vívida a impressão que experimentei ao assistir "Laranja Mecânica". Foi uma única vez, e apesar da brilhante proposta, bastou. Recordo-me da desconfortável sensação que permeou toda a projeção, e simultaneamente da incrível habilidade com que cenas de violência e sexo foram roteirizadas, de maneira verossímil, ainda que desconcertante.

Indubitavelmente, o filme convocou os tão aclamados "espantos filosóficos" e, através dele, uma multiplicidade de reflexões sobre a contemporaneidade emergiu.

O personagem Alex, protagonista que oscila entre vilão e anti-herói, em seguida regressando à sua vilania original, cativou-me. Inicialmente, por sua violência sádica e desmedida, e posteriormente, por tornar-se cobaia em um estado perverso, antes de finalmente regressar ao seu ponto de origem e caráter.

A película é inegavelmente brilhante, permeada por uma linguagem própria que imerge o espectador no mal-estar esquizofrênico de uma civilização decadente.

Uma crítica social contundente ao sistema em sua totalidade é tecida ao longo do filme. A inércia contemporânea é denunciada em suas máscaras e marcas mais profundas. Escrito e dirigido por Stanley Kubrick, o filme representa uma adaptação do romance de Anthony Burgess.

Alex tornou-se um ícone, símbolo de rebeldia e reflexo social. Milhares de admiradores capturavam sua imagem carismática e violenta, evocando subjetivamente a dualidade inerente à doçura humana.

Não posso deixar de recordar os Drugres, o grupo de jovens delinquentes liderado por Alex. A palavra deriva do idioma Nadsat, criado especialmente por Anthony Burgess para o romance, amalgamando palavras em inglês, russo e gírias.

A crítica cultural permeia muitos momentos do filme, notavelmente na cena impactante de estupro, em que Alex dança e entoa "Singin' in the Rain". O contraste entre o ato e a alegria plástica do personagem marca de maneira paradoxal o imaginário popular.

E a Leitaria? O local onde os Drugres consomem sua mistura peculiar de leite e drogas. Seria um símbolo mais profundo, uma denúncia da contaminação social?A falha da lei do pai?

E o tratamento Ludovico? Tão perverso e absurdo quanto a decadência de Alex, uma representação atual do fracasso dos sistemas carcerários, que não fazem senão perpetuar e sofisticar a violência social.

Um filme desafiador de contemplar, mas inquestionavelmente repleto de questões instigantes para o debate.

Alba Regina Bonotto /Psicanalista







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