DO FIM DA MEMÓRIA

No filme " O brilho eterno de uma mente sem lembranças", do diretor Michel Gondry ,mergulhamos em uma historia sobre um amor, que parece se fundamentar na manutenção da memoria .Clementine (Kate Winsle) decide apagar a memoria de Joel ( Jim Carrey) e isso provoca um interessante movimento no outro,inconformado,  não suporta a realidade de não ser reconhecido.

O filme mergulha no significado da lembrança ,mostra como ela é importante para manutenção e fortalecimento de vínculos e sentimentos de identidade e pertencimento . Segundo ponto genial da obra aparece quando traz a tona a lei do eterno retorno sugerida por Nietzsche, no caso do filme  na ideia de que o que fez você amar uma vez, tende a retornar ,mesmo que parta do zero.

Muitas perguntas surgem dai,a primeira que me ocorre, diz respeito ao significado e valência das memorias indesejáveis ou traumáticas,como seria se fossemos capazes de apaga-las?         Algumas certamente teriam menos poder sobre as dores do ser, mas  por exemplo se alguém  tem um familiar que o machuca, fere ,e o  caminho que encontrou  para não mais ser agredido foi por afastamento, a exclusão da memoria apagaria o sentido deste aprendizado.

Consideremos, que a magoa que sente junto a existência desta memória,  persiste e insiste em  continuar machucando , apesar do afastamento e de  toda terapia que já fez para lidar com isso,ela o sufoca e correi sua alma,a exclusão da mesma daria mais um folego a  existência,porém o que fazer com aquele buraco em sua Estrutura de Pensamento?

Imagine que bem no dia seu aniversário, aparecem os senhores da memoria , decididos  oferecem seus serviços , um presente cheio de entusiasmo enviado por um grande amigo, com o desejo de ajudar, propondo que apague completamente a  memoria traumática e toda sua vizinha afetiva, com a  promessa de  que isso ira remover completamente a dor e a angustia trazendo-lhe paz e serenidade.

Se  fosse possível ,sera que seria isso mesmo o que aconteceria ?Você aceitaria?É sem duvida um bom exercício de auto conhecimento ver o que o faria aceitar ou negar esta oportunidade.

Se aceitarmos que nos tornamos o que somos por tudo que vivemos, sentimos, percebemos,pensamos  e fazemos, vamos ter que concluir que ao tirar uma memoria tão marcante  com sentimentos de grande impacto estrutural (mesmo que seja negativo), na pessoa pode acontecer uma desestabilização de conexões com seus padrões funcionais, interseções e aderências. Um sentimento de bem pode se instalar mas também pode ser oposto disso, a pessoa pode se sentir sem escudo, sem proteção ,sem base , SEM PELE.

Perdendo a necessidade de evitação, já que  todo seu sistema se estruturava naquele contexto, deixa de existir todo um processo de elaboração e ajustamentos internos . A periferia de todos os sentimentos , comportamentos e intenções pode corromper os vínculos entre si e o resultado disso tudo poderia ser trágico.

Como lidar com isso? Ao tirarmos a memoria ruim teríamos que tirar tudo que fez a pessoa estar onde vive , mas dai se incorreria ao risco de se  estar tirando da sua própria existência seu modo singular de ser.

Hoje já é sabido que existem experiencias neste sentido e que não mais se trata de ficção ,alguns remédios já fazem algo parecido com isso, a neurociência caminha para este lugar,são possibilidades reais temos que considerar toda as variáveis que envolvem tais praticas,é bom que elas considerem esta a da estruturação do sujeito entre muitas outras de igual valor.

Alba Regina Bonotto

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